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Erro médico e dano em saúde

  • Foto do escritor: Pedro Enrique Alves
    Pedro Enrique Alves
  • 26 de abr. de 2024
  • 5 min de leitura

Atualizado: 13 de abr.

Logo no início de fevereiro de 2024, o CNJ substituiu o uso da expressão “erro médico” por dano em “serviços de saúde” utilizada na classificação de processos judiciais têm por objeto a apuração deda ocorrência de danos materiais ou morais decorrentes da prestação de serviços de saúde. Neste artigo, abordo a importância da adoção da nova terminologia e como ela pode influenciar na relação do profissional da medicina com seus pacientes e a sociedade.


Erro médico e dano em saúde



Por que não mais “erro médico”?

 

Durante a realização do 35º Congresso Brasileiro de Cirurgia, realizado pelo Colégio Brasileiro de Cirurgiões (CBC), debateu-se sobre a falta de adequação à terminologia “erro médico” utilizada para classificação de assuntos dos processos nos sistemas da justiça, disponibilizado nas Tabelas Processuais Unificadas, de controle de assuntos do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão que realiza, dentre outras atribuições, a gestão do Poder Judiciário.

Quando se é feito o cadastramento de um processo judicial, é necessário atribuir a ele uma classe judicial, que corresponde ao assunto que será debatido na demanda, composto por conjunto de termos específicos e sequência de números, a fim de possibilitar o controle de indicadores processuais e o aprimoramento dos serviços prestados pelo Judiciário.

 

Na ocasião, a organização do evento solicitou ao Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luz Edson Fachin, que participava como conferencista e que, à época, ocupava o cargo de vice-presidente do CNJ, que fosse alterado o termo “processo de erro médico” para “processo de efeitos adversos na área da saúde”, alegando que a terminologia utilizada até então provocava prévio e negativo julgamento em relação ao médico nas causas, como se ele estivesse sendo demandado porque teria exercido sua profissão com culpa – negligência, imprudência ou imperícia.

Nós, da Associação Médica Brasileira e da Associação Paulista de Medicina, o apoiamos na decisão. O ministro será o nosso interlocutor junto ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para mudar a nomenclatura, porque quando é citado que um profissional está sendo processado por erro médico, praticamente a pessoa já o condenou antes de ser julgado. Antônio José Gonçalves, vice-presidente da Associação Paulista de Medicina (APM) e secretário geral da Associação Médica Brasileira (AMB)[i]

 

Ao mesmo tempo, o CBC formalizou pedido de providências ao CNJ, especificamente para que a classe utilizada em processos relacionados à saúde, de forma ampla, deixasse de utilizar a terminologia “erro médio”, e se passasse a utilizar somente as numerações 9995, 10503, 10434 e 10440, que identificam o assunto.

 


Erro médico: classificação que contraria garantias constitucionais

 

Para o CBC, os processos catalogados como “erro médico” contrariam as garantias constitucionais de todo cidadão à presunção de inocência e de ser submetido ao devido processo legal.



Isso porque, antes mesmo de ser oportunizado ao médico demandado apresentar defesa e produzir provas, e de se obter a decisão judicial sobre o caso, a impropriedade da classificação já atuava em desfavor do profissional, que tinha seu nome vinculado a título do processo negativo, ainda que para fins meramente administrativos – e de utilidade desconhecida pela maior parte da população.

 

Além disso, a regra é de que o processo judicial deve ser público. Por consequência, a consulta de processo da classe “erro médico” vinculava a ele dados que identificam o médico demandado e proporcionava a imediata assimilação de que o profissional estaria sendo processado por ter agido com culpa ou mesmo já ter sido sentenciado por suposto erro médico.

 

A classificação administrativa da demanda, inevitavelmente, violava garantias constitucionais, como a do devido processo legal e da presunção de inocência, e ofendia o princípio da isonomia, na medida em que não se utiliza classificações como “erro do engenheiro” ou “erro do advogado” para demandas que vinculam outros profissionais.

 

O impacto negativo causado à figura do médico – embora considerável parte dos processos vinculados a essa classe processual sequer debatessem a culpa no exercício daquela profissão, mas sim relacionados a temas diversos em saúde – também possibilitava a ocorrência de prejuízos ao devido processo legal e à presunção de inocência.

 

O CBC ainda destacou que empresas, fazendo o mau uso do direito de acessar os processos, valendo-se das informações obtidas para alcançar proveito econômico relacionado a veiculação negativa da imagem de profissionais e, desse modo, angariar clientes.

 


Indenização por Dano em Serviços de Saúde

 

Em 2 de fevereiro de 2024, a presidência do CNJ acolheu os argumentos da reclamação e determinou a imediata substituição da terminologia “erro médico” para outro título genérico e imparcial, “serviços em saúde”.

(...)tendo em vista a presunção de preconceito e parcialidade contra a classe médica, além do confronto direto ao Tema 940, de repercussão geral, de lavra do STF- Supremo Tribunal Federal, nos casos de nosocômios públicos”.
 Conforme manifestação do Departamento de Pesquisas Judiciárias, a alteração dos assuntos com a terminologia "erro médico" foi realizada, sendo o termo substituído por "serviços de saúde". Assim, fala-se agora em danos materiais ou morais decorrentes da prestação de serviços de saúde.

 

O que penso sobre a nova terminologia?

 

É inegável que a expressão “erro médico” na capa de um processo judicial proporciona a formação de julgamento negativo sobre o médico ou médica que está sendo demandado logo no primeiro momento, sobretudo se quem lê é pessoa que não tem o hábito de manusear um processo.

 

A concepção prévia do cidadão pode ser de que o médico está sendo processado ou foi condenado porque atuou de forma negligente, imprudente ou com imperícia, mesmo sem que isso faça parte do processo.

 

A nova terminologia adotada pelo CNJ corrobora ao desenvolvimento de um processo imparcial, que assegura ao médico o direito de se defender e exercer o contraditório livre de pré-julgamento, em condição igual a de outros profissionais.

 

A alteração também deve reduzir o risco de a imagem do médico ser veiculada de forma negativa – e indevida – perante a sociedade. Até porque parte do crescente número de ações judiciais relacionadas ao tema resultam em decisões que atribuem o dano em saúde à insatisfação do paciente com o resultado, à conduta exclusiva do paciente ou a causas que não se relacionam à atuação do médico.

 

Essa conquista da classe médica deve ser acompanhada da adoção de medidas que proporcionem maior segurança às relações com seus pacientes, como dialogar mais com seus pacientes e seguir protocolos de prevenção de danos, o que fortalece sua reputação profissional e reduz as chances de que eventual desencontro na relação resulte em um processo judicial.

 

Pedro Enrique

 

 

 



[i] Artigo Conquista: Justiça modifica termo “erro médico” para danos decorrentes da prestação de serviços de Saúde, publicado em 30/1/2024 no portal da Associação Paulista de Medicina (APM), disponível em: https://www.apm.org.br/noticias-em-destaque/conquista-justica-modifica-termo-erro-medico-para-danos-decorrentes-da-prestacao-de-servicos-de-saude/

Vice-presidente da APM participa de debate com Luiz Edson Fachin

 

 

 

 
 
 

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